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Trento e Bolzano perdem nas relaçőes com Roma
Neste mês de outubro, os presidentes (governadores) das províncias autônomas de Trento (Ugo Rossi) e Bolzano (Arno Kompatscher) estiveram em Roma para "redefinir" o acordo de autonomia regional, estabelecido gradativamente após a Segunda Guerra Mundial por meio de um acordo internacional que envolveu a Itália, a Áustria e as Nações Unidas.
A recente modificação no estatudo de autonomia ocorreu em Roma em um momento em que o governo italiano busca resolver diversos problemas econômicos causados pela má administração governamental, muito inconstante, e que sofre as consequências por enfraquecer a União Europeia.
Roma tem procurado diminuir a autonomia das províncias mais desenvolvidas e, por isso, os presidentes (governadores) das províncias autônomas de Trento e Bolzano acordaram em Roma um reajuste na contribuição da Região Trentino-Südtirol para a União (Roma).
Resumindo: trata-se de uma verdadeira "quebra de contrato", na qual a Itália diminui a autonomia regional de Trento e Bolzano e retira a influência diplomática austríaca (que garantia em acordo internacional que a Áustria pudesse interferir em defesa de Bolzano e Trento).
Resumo do novo acordo:
A região autônoma pagará ao estado italiano 800 milhões de euros até 2017. E continuará a pagar as altas taxas estabelecidas no acordo de Milão.
O acordo vale até 2023 e poderá ser alterado, com valores recalculados de acordo com os débitos estatais.
Caso as duas províncias autômas não paguem suas "dívidas" dentro do tempo previsto pelo estado italiano, poderão sofrer sanções.
Em caso de necessidades extraordinárias, o estado italiano poderá aumentar as quotas previstas e mais 10% poderá ser cobrado para manter os critérios exigidos pela União Europeia.
A Austria não poderá intervir nas decisões do estado italiano e será, a partir de então, somente informada.
Para entender a autonomia regional sul-tirolesa...
Como é sabido, as atuais províncias de Trento e Bolzano permaneceram unidas à Áustria de 1363 a 1918. Inicialmente, o Tirol era uma região semi-autônoma ligada ao ducado austríaco no interno do Sacro Império Romano-Germânico (até 1810); a partir de 1815, o Tirol foi parte integrante do Império Austríaco que, a partir de 1867, tornou-se Império Austro-Húngaro com a união das coroas austríaca e húngara (embora o Tirol pertencesse à coroa austríaca).
Até 1815, a região trentina (onde predomina a língua italiana desde o século XVII) era parte integrante do Tirol num sistema de governo autônomo formado pela nobreza local (condes tiroleses), clero (príncipes-bispos de Trento) e ducado austríaco (os duques da Áustria eram também os condes do Tirol).
Com a Primeira Guerra Mundial (1914 - 1918), mais de 60.000 trentinos lutaram no exército austríaco. A Itália tentou sem sucesso anexar a região que só foi rendida após o armistício assinado em Verona. Após a Primeira Guerra Mundial (1918), a porção sul do Tirol foi ocupada e anexada pela Itália como conquista de guerra e para que permanecesse no interno do estado italiano, o então rei italiano Vittorio Emanuelle prometeu que daria à nova província uma autonomia especial (promessa jamais cumprida).
Durante os anos entre 1920 e 1945, a repressão do governo fascista italiano foi muito dura em Trento e Bolzano, com vários casos de prisões, proibições, exílios, torturas, assassinatos e uma forte política em prol da perda da identidade local (negação do passado austríaco e tirolês). A conhecida "Legione Trentina" (fascistas locais) foi responsável por um verdadeiro 'cancelamento' da identidade local, queimando e destruindo documentos, arquivos, fotos e tudo o que fizesse alusão ao passado regional. O nome "Tirol" oi proibido e a região foi dividida em duas províncias e rebatizada com uma invenção topográfica: "Venezia Tridentina". A província de Bolzano foi rebatizada com o nome de "Alto Ádige" (em alusão ao rio local) e a província de Trento foi rebatizada com o nome "Trentino' (topônimo outrora usado somente para designar a cidade de Trento e arredores).
Também no Brasil e Argentina, agentes do governo fascista atuavam nas colonias do Sul e Sudeste, enviando livros, cartilhas e propagandas que influenciaram até mesmo as colônias trentinas e friulanas (cujos imigrantes, de 1875 até 1918 entraram na América como cidadãos austríacos). Alguns casos de disputas e até mesmo de violência entre imigrantes italianos e austríacos (trentinos, gorizianos e friulanos) se registrarm em algumas colônias brasileiras.
Após a Segunda Guerra Mundial, e com o fim (ao menos oficial) do governo fascista na Itália, a população local apresentou várias reivindicações para que a região retornasse à Áustria ou recebesse uma autonomia integral, que garantisse sua história e identidade.
O acordo de autonomia foi uma garantia para que a região do Tirol Meridional permanecesse no interno do estado italiano, mas encontrou muitas dificuldades para ser aceito. Tiveram grande participação o então primeiro-ministro italiano Alcide De Gasperi (ele também trentino e parlamentar austríaco na juventude) e o primeiro-ministro austríaco Karl Gruber.
No decorrer das décadas de 1950 e 1960, a região continuava a ser "italianizada" assim como no período fascista, com o envio de famílias oriundas de outras localidades italianas que passariam a residir nas províncias e influenciar as eleições e decisões locais. Muitos deles eram designados para ocupar cargos públicos, de modo que a população local continuava em "desvantagem".
A década de 1960 foi marcada por atentados a bomba contra torres de energia, que visavam chamar a atenção europeia e mundial para a questão tirolesa. Movimentos populares como o BAS (Befreiungsausschuss Südtirol - "Comitê pela liberação do Tirol Meridional) e MST (Movimento Separatista Trentino) atuaram localmente e a resposta estatal se fez com prisões, torturas, exílio e até mesmo mortes. O governo austríaco cobrava providências junto às Nações Unidas e as relações diplomáticas entre Áustria e Itália pioravam.
Na década de 1960 (e modificado em 1972), o novo "pacote de autonomia" foi assinado pela Itália e Áustria, mas a reivindicação pela autonomia integral não se cumpriu. A autonomia previa que 90% dos impostos pagos pelas províncias autônomas à União (Roma) retornasse para as províncias e fosse utilizado nas províncias. Além disso, o Estatuto de Autonomia prevê que as províncias possuam poder legislativo em matérias regionais e estatais.
No entanto, os ataques à autonomia especial de Trento e Bolzano não cessaram no parlamento em Roma. Nas décadas de 1980 e 1990, com a instável política italiana, vários problemas sociais e de corrupção influenciaram os ataques contra aqueles que viveriam "em vantagem". Apesar disso, Trento e Bolzano continuavam a ser as províncias mais organizadas e prósperas da Itália, com os menores índices de corrupção, desorganização administrativa e violência.
O primeiro-ministro italiano Silvio Berlusconi manifestou por diversas vezes seu descontentamento quanto às autonomias regionais, que classificou como "vantagens". Também os governos das regiões vizinhas do Vêneto e Lombardia atacaram em várias ocasiões a Região Autônoma Trentino-Alto Adige/Südtirol por conta daquilo que acusam ser "vantagens desleais".
O Acordo de Milão modificou alguns aspectos quanto à contribuição financeira das províncias e a mais recente modificação ocorreu em outubro de 2014, quando os presidentes (governadores) das províncias de Trento e Bolzano acordaram em Roma um reajuste de 30%. Encarado pelos governistas como um "triunfo" que garantirá a autonomia, o novo acordo tem recebido duras críticas por parte da população que não aceita que um acordo internacional seja adulterado.
Visão do CTSP:
Toda quebra de contrato que "diminua" as vantagens é desastrosa. É notória a diminuição do poderio econômico de Trento e Bolzano, baseado no perfil da população local e muito diferente do modelo italiano. A Itália não tem sido nas últimas décadas nenhum modelo de desenvolvimento econômico e social no interno da União Europeia, apresentando constante mudança de governos e escândalos de corrupção envolvendo o alto escalão do governo de Roma.
O modelo econômico e administrativo de Trento e Bolzano (mais afinado com aqueles de Viena e Berlim) poderia servir de inspiração para as demais regiões italianas pelo simples fato de dar certo (apesar de todas as dificuldades e barreiras que a região autônoma enfrenta desde 1918). No intuito de "salvar" a economia italiana, Roma não deu o exemplo e preferiu utilizar os recursos do bom exemplo trentino ao invés de arregaçar as mangas.